Aqui na Vila Fresca (não é por acaso) o inverno chegou de um dia para o outro, como o cenário de uma peça de teatro infantil em que o pano de cenário “cai” abruptamente com estrondo, atabalhoadamente. Saí das cardenhas nas brandas para a inverneira no vale e num ápice fiz a transumância à velocidade do som? da luz? do pensamento?

(foto MJL - 2017)
Nesta fase estou a assistir ao “inverno” na vida dos meus pais, estão na casa dos oitenta, vê-se o “encolher” da ida para dentro passando pela ideia da idade de infância.
Os avós começam a ir “a dentro”, voltando a ser “semente” de sabedoria ancestral.
Recordam-se mais do “trans-ontem” que do ontem.
Uma das minhas Avós nasceu no dia 27 de março, Dia do teatro, enviuvou cedo. Na sua casa havia muita luz, divertimento. Tocava piano, cantava, ria e contava histórias divertidas e ricas, dava tudo o que tinha, de migalhas fazia banquetes que alimentava muitas pessoas. Antes do 25 de abril não havia divórcios e o meu “avô” era separado, assim foi-me possível assistir ao casamento dos dois em mais uma das memoráveis festas. Era uma casa de tal forma alegre que até o dia do funeral de cada um se tornou numa festa de celebração da vida que tiveram, contando as suas histórias e de como me faziam rir.
A outra Avó nasceu no dia 1 de novembro, Dia das Bruxas, na sua casa não tomávamos banho, era na base da mangueirada no quintal ou lavados com um trapo (banho seco da altura). Cozinhava bem e tinha uma espécie de calendário para as refeições, às 2ª’s comia-se peixe cozido e sopa de feijão com arroz, às 3ª’s bifes… e assim sucessivamente, todas as semanas era igual. Nesta parte da família passava mais tempo com o meu avô, era carpinteiro, enquanto retirava uma imagem de dentro da madeira contava-me histórias, ensinava-me sobre as plantas do quintal, fossem comestíveis ou meramente decorativas, mostrava como se faziam sementes e de como delas saía uma planta provedora de sabor ou simplesmente para “ouver”.
A duas avós tinham registos e energias completamente diferentes, ambas viveram de acordo com a sua vibração genuína, de acordo com a sua energia com o dia de nascença. Viveram com qualidade até depois dos 90 e, em tranquilidade, partiram para outros planos.
Ainda tive a felicidade de conhecer uma das minhas bisavós. No inverno dormia com uma montanha de cobertores, que me perguntava como se mexia lá dentro. Um deles chamado de “papa” que picava “comó” raio e ao qual fazia alergia. Na altura perguntava-me como é que se mexia debaixo daquele peso todo, hoje compreendo-a bem. Nestes tempos mais modernos os “cobertores” são mais leves.
Compreender o outro é uma das maiores maravilhas que me foi dada oportunidade viver e estar atenta a desde tenra idade, obrigada avós, a voz…
Tic-take uma voz para ser (de) vida
como sempre assino, MJL
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