
(foto MJL 2014)
A casa encontrava-se quieta e silenciosa.
Próxima de um caminho em terra batida, com águas cristalinas puras e cantantes por perto, rodeada de arvoredo nativo e antigo.
Num dia soalheiro, cheia de vida começou a azáfama dos seus pensamentos.
Sente saudades, o que agora se tornara… ecos de vida, da sua vida antecedente.
Albergara gerações inteiras, passara por várias mãos, tivera obras e remodelações, acrescentos ao longo de vários séculos. Fora erigida para ser sólida e proteger quem a habitasse, das estações do ano com tudo o que pudesse daí advir, até infestações por animais, incêndios, raios, inundações, etc..
Há muito abandonada, ainda ressoavam pelas suas paredes os sons familiares das famílias que a habitaram, ainda se ouvem os ecos dos festejos e folguedos, solidões, mágoas e tristezas, encontros e desencontros.
Sente-se só, sem função, acha-se vazia, sem serventia, sente-se defunta, já não há pessoas a habitá-la, já não ouve os risos e sons dos pés das crianças a correr e a brincar pelos seus corredores, os murmúrios das conversas, o bater das panelas e talheres na preparação de refeições ou de comer às pressas, dos estudos ou leituras.
Já não guarda os segredos dos amantes nos quartos, ou os desesperos das vivências, raivas contidas, discussões acesas, choros infantis, conversas ou clamores.
Às vezes acha que está assombrada, tem locais escuros onde as sombras se movem de forma menos natural e tem medo de sentir esses locais.
Agora apenas ouve o estalar das madeiras, chiar de uma porta ou janela provocada pelas correntes de ar que percorrem as sua entranhas como desconhecidos fantasmagóricos modernos.
No verdete nas paredes escorrem torrentes de água das chuvas passados pelo quebrado no telhado, deixando sulcos brancos, e nos recantos mais sombrios sulcos negros de bolor, tem escritos com declarações de amor e desamor ou desenhos grafitados.
A natureza há muito que tomou conta dos seus interiores.
Atualmente apenas adentram alguns casais fugidios que querem proteger o seu amor, um passante incauto apanhado numa qualquer tempestade ou da canícula de um dia de verão mais escaldante.
Numa ocasião ocorreu uma espécie de apagão, durante tês dias, por altura da lua negra e de nevoeiro cerrado, o silêncio era total, tudo parou, a quietude do tempo envolvia todo o espaço, a casa parecia apenas existir. No quarto dia estalou uma tempestade cheia de chuva, vento e trovoada, ensurdecedores. Na manhã seguinte tudo passara, o sol nasceu brilhante e claro e os sons envolventes voltaram à tranquilidade habitual.
Após o silencio anterior e dos ruídos da tempestade, a casa pôs-se atentamente à escuta, foi aí que percebeu que começava a ouvir outros sons deveras subtis. Tentou perceber o que eram e o que descobriu foi como que o abrir de uma porta mágica. Afinal nela habitavam muitos seres, insetos, pássaros, repteis, pequenos mamíferos, etc..
Assim compreendeu que afinal tinha habitantes, de outras espécies que não humana, é certo, mas ainda assim habitantes.
E que maravilhoso era poder dar abrigo a tantos, protegendo-os. A emoção de ouvir e intuir os outros seres que a agora sabe que a habitam é-lhe muito gratificante.
Mesmo nos dias mais obscuros sabe que tudo faz parte de si e ela é parte do todo, já não se sente vazia, sozinha, ensombrada ou silenciosa.
MJL
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