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O Guardião da Mata

8naturalinfinito

Há muito tempo, quando a terra ainda era jovem na sua diversidade imensa, o grande rei da floresta Luo-chantrea, com as suas imponentes hastes, como se de uma árvore se tratasse, similar a uma coroa que o ajudava a estar mais próximo do céu, capaz de proteger todas as outras criaturas, simbolizando harmonia, sagrado, poder de regeneração e conexão com os deuses e Gaia-telo e a corça vermelha cheia de graciosidade e subtileza, ligada à visão interior, iluminação e plenitude, uniram-se à luz de uma imensa lua cheia entrelaçados por uma superioridade espiritual sagrada, símbolo de regeneração, gentileza, suavidade, graça, intuição, bondade, fertilidade e paz.


Passaram-se nove luas e no princípio da primavera, no final de uma noite, também ela de lua cheia, ao início de um dia soalheiro no reino das fadas, Gaia-

-telo deu à luz um filho. Todos os animais nascem de cabeça para baixo pois provêm das estrelas e do céu encarnando em conexão com a terra e este novo ser não foi exceção, nasceu trémulo, um ser especial.


Logo após o nascimento, ainda mal se tinha nas frágeis pernas já começava a explorar as áreas circundantes. Nos primeiros dias alimentava-se com o leite materno, depois passou a comer à base de ervas, gramíneas, folhas, caules frescos, bagas silvestres e outros frutos campestres.


O pequeno cervídeo foi crescendo forte e, timidamente, foi aumentando o seu raio de visita aos locais, gostava de tudo e de todos, não tinha por isso um amigo especial, conhecia todas as espécies de animais e plantas, desde a grande avó árvore, até ao mais pequeno inseto, animais terrestres, voadores, moradores dentro e fora da terra, desde os alegres regatos até ao mar aberto.


Como todos os juvenis manteve-se junto da sua mãe durante o primeiro ano. Teve uma juventude de cabriolas despreocupadas, mas o que mais gostava de fazer era passear pela floresta, acolher os lugares, pastar e intuir toda a envolvência que o fazia sentir vivo, preservar a vida e honrar a morte.


Amadureceu pujante e imponente e à medida que foi crescendo, nas noites de lua cheia quando os seus pais se encontravam, começou a atrever-se a conhecer os seres da noite. Mais tarde escapava ao controlo da mãe e das outras fêmeas e começou a esgueirar-se para conhecer a fundo os locais mais assustadores. No início das suas demandas tinha medo desses locais mais sombrios e escuros, no entanto foi enfrentando os seus medos e adentrou em territórios recônditos, nas profundezas da floresta, com animais rastejantes, de olhos grandes, silenciosos, onde o vento uivava e compreendeu que também estes sítios fazem parte do todo, que são importantes e que contribuem para o equilíbrio do tudo.


Passado um ano do seu nascimento, após se compreender a sua verdadeira natureza e as características que demonstrava, num ritual de passagem para a idade adulta, foi-lhe atribuído o seu real nome. O já não tão pequeno veado foi denominado Ulf, estranho nome para um veado, pois quer dizer, literalmente, lobo. No entanto devido à sua personalidade criativa, impulsiva, otimista e generosa assentava-lhe lindamente. O que fez com que se tornasse seguro, independente, com uma força guerreira que representava uma figura celestial, protetora, heroica, astuta e cheia de bravura. Com as suas características, inteligência, sociabilidade, compaixão, com o simbolismo benéfico, luminoso, que remete para o solar e celeste foi-lhe atribuída a incumbência de guardião, protetor do lugar e de todos os seus seres.


Nesse mesmo dia também recebeu o seu cristal do coração, uma obsidiana floco de neve, onde o claro e o escuro se entrelaçam, com qualidades de limpeza interior, protetor de energias negativas e precursor de mudanças. Ostentava-o com orgulho e respeito junto ao seu coração e principiaram a bater em uníssono.

Ulf foi crescendo atrevendo-se a ir cada vez a locais mais distantes, vagueava por todo o lado, ia aos sítios do dia, da noite, falava com todos e com tudo, desde os regatos saltitantes, alegres e vívidos até aos murmurantes e mais ocultos. Tratava todos os entes de igual forma, pois cada um contribui com o seu ser como é, não há um mais importante que o outro e por isso nunca encontrou o tal amigo especial. Havia uns que entendia melhor que outros, com quem se dava mais, os diurnos e da terra, por não voar ou nadar abaixo da água.


Adorava olhar para as estrelas, para o sol, todas as estações do ano tinham os seus encantos e recantos, uns mais luminosos, outros mais sombrios, mas como bem sabia, até os mais sombrios tinham a sua função, por exemplo no verão, eram muito mais frescos. Preferia estar nas pequenas clareiras ao sol a receber a sua luz e calor, nos dias de chuva abrigava-se nos locais mais frondosos onde as árvores não perdiam a folhagem. Na primavera corria que nem um louco pelos prados verdejantes em cabriolas marotas… livre e feliz.


Até que um dia apareceu uma nova espécie de bicho, auto-denominada de “homem”, devastava a floresta tão rápido como uma lagarta come uma folha e carregou tudo o que podia como a formiga para a construção dos seus ninhos, transportou árvores e extraiu pedras.

Ulf não compreendia esta nova espécie, não se comunicavam. Por mais que tentasse não o ouviam nem se faziam entender. Iam pouco à floresta e quase sempre para retirar de lá algo, pedaços de terreno, árvores e até alguns dos seus habitantes.


Ao longo dos tempos a floresta foi sendo consumida pela erosão, pelas intempéries e pelo avançar das construções desta nova raça, nos chamados Montes Claros criou uma nova espécie de planta que esvaziava os verdes e crescia os amarelos todas as épocas, pareciam as marés como a grande serpente de água azul Teiú, diziam que era para se alimentarem. Esta nova planta não tinha utilidade para os habitantes da floresta.


As zonas do bosque mediterrâneo, os rochedos e as zonas húmidas em redor do rio com as suas ninfas Tágides, foram ficando cada vez mais pequenas e os entes da floresta começaram a retirar-se. Por volta dessa altura houve um grande tremor, o chão foi abalado chegando quase a desaparecer, a grande serpente de água, Teiú, subiu e extravasou as suas marés. A partir desse dia o novo povo tornou-se ainda mais voraz desestabilizando todo o equilíbrio até aí possível. A floresta foi devastada ainda mais. Apenas ficou uma pequena mata, denominada S. Domingos, em homenagem a um homem que tinha dado parte do seu manto a um conterrâneo que estava com frio, mas os residentes da floresta, tinham dado quase todo o seu manto protetor, os seus lares e o seu sustento.


Com a floresta cada vez mais diminuta os seus semelhantes não conseguiam ficar em tão pouco espaço e foram também eles desaparecendo. No entanto Ulf desejou ficar, continuar a zelar pela sua terra natal protegendo-a e guardando-a. Apenas restava um pequeno reduto, até que houve um ser diferente que chegou, compreendeu a importância do local e reflorestou, recriando à volta da mata uma pequena floresta similar à original.


Com o passar das épocas, caído no oblívio dos tempos imemoriais assim ficou o grande guardião da mata até aos dias de hoje… há quem diga que ainda se pode sentir a sua presença, ouvir os seus passos nas noites de lua cheia e ver o seu bafo nos dias de nevoeiro.






Por: MJL dezembro de 2021

(conto inspirado na foto)




(foto MJL 14-11-2021)



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